Introdução
O Altar dos Juramentos constitui um elemento central e sagrado na arquitetura e no ritual de uma Loja Maçônica. É o local designado para as Três Grandes Luzes da Maçonaria: o Volume da Lei Sagrada (VLS), o Esquadro e o Compasso. Esses instrumentos não são meramente decorativos, mas incorporam os princípios fundamentais e a orientação moral para cada Maçom. A presença do Altar sublinha a natureza profunda e sagrada dos compromissos assumidos pelos iniciados, servindo como ponto focal para os momentos mais solenes das cerimônias maçônicas. Embora a Maçonaria não seja uma religião no sentido dogmático, ela é inerentemente religiosa em seus princípios fundamentais e estrutura ética, e o Altar serve como uma representação tangível dessa dimensão espiritual.
Este artigo tem como objetivo fornecer uma análise abrangente das razões históricas e ritualísticas para as posições variáveis do Altar dos Juramentos. Ele se baseará principalmente nas elucidações do renomado estudioso maçônico Pedro Juk, ao mesmo tempo em que integrará perspectivas de outros autores autorizados. Um foco central será examinar e discutir meticulosamente a “incoerência” da colocação do Altar no Oriente, dada a restrição tradicional dessa área aos Mestres Maçons durante uma Loja “aberta”.
I. O Altar dos Juramentos: Simbolismo e Fundamento
Significado Etimológico e Simbólico do Altar na Maçonaria
O termo “Altar” tem sua origem no latim altare ou ara, que historicamente designava uma mesa sagrada utilizada para sacrifícios ou oferendas a uma divindade. Em tradições antigas, os altares eram frequentemente erguidos em locais elevados ou em montículos artificiais, simbolizando uma conexão com o divino.
As Três Grandes Luzes e Sua Disposição sobre o Altar
O Altar dos Juramentos é primordialmente reconhecido como o repositório das Três Grandes Luzes da Maçonaria: o Volume da Lei Sagrada (VLS), o Esquadro e o Compasso. Essas Luzes são ferramentas indispensáveis para a orientação moral e espiritual, regendo a fé e a conduta de todos os Maçons. Cada Luz carrega um peso simbólico específico: o VLS ilumina a mente com sabedoria divina, o Esquadro regula as ações de acordo com a retidão moral, e o Compasso mantém as paixões e atos humanos dentro dos limites apropriados. Sua disposição específica sobre o Altar, que varia de acordo com o grau (por exemplo, Compasso sobre Esquadro para um Aprendiz, Esquadro sobre Compasso para um Companheiro, ambos entrelaçados para um Mestre), representa visualmente a jornada progressiva do iniciado e o desdobramento do conhecimento maçônico.
O Juramento Maçônico como Ato Sagrado e Compromisso Iniciático
O ato de prestar um juramento, etimologicamente derivado do latim juramentum, significa uma afirmação solene da verdade, sinceridade e um compromisso vinculante com os deveres. No contexto maçônico, o juramento prestado sobre o Altar dos Juramentos é de suma importância. É um ato profundo que liga irrevogavelmente o novo iniciado à Maçonaria Universal. Este juramento representa uma promessa pessoal a si mesmo, um compromisso de manter a lei do silêncio e uma separação simbólica do mundo profano para abraçar o caminho iniciático. É o momento em que o Maçom se compromete a cultivar virtudes e erradicar vícios, contribuindo assim para sua construção moral pessoal e coletiva.
A Natureza Religiosa, mas Não Sectária, da Maçonaria em Relação ao Altar
É crucial enfatizar que, embora o Altar e o ato de jurar possuam uma inegável dimensão sagrada, a Maçonaria em si não é uma religião, nem um corpo sectário. Pelo contrário, ela é caracterizada como uma instituição religiosa em sua fé e princípios fundamentais, promovendo uma espiritualidade universal que transcende dogmas específicos. Esta distinção é particularmente evidente ao examinar as práticas de certos Ritos, como o Rito Moderno, que, em algumas instâncias, suprimiu o Altar físico dos Juramentos ou o renomeou como “Altar dos Compromissos”. Essa modificação foi implementada para respeitar as crenças individuais e evitar compelir os Maçons a jurar fidelidade a um padrão religioso particular, enfatizando assim a promessa moral sobre um juramento religiosamente vinculante. Isso destaca a relação matizada entre espiritualidade e prática institucional dentro da Maçonaria.
A pesquisa revela variações na forma do Altar e até mesmo em sua presença em diferentes Ritos. Por exemplo, a decisão do Rito Moderno de suprimi-lo em alguns casos indica uma adaptação consciente para enfatizar a liberdade individual de crença em detrimento de um elemento ritualístico mais abertamente religioso. Isso sugere que, embora o conceito central de compromisso e a presença das Grandes Luzes sejam universais na Maçonaria, sua manifestação física através do Altar está sujeita à evolução e interpretação ritualística por diversas Obediências. Essa adaptabilidade ilustra a capacidade da Maçonaria de evoluir e interpretar seus princípios fundamentais, mantendo sua essência. A “incoerência” discutida em seções posteriores, em vez de ser uma mera falha, pode ser compreendida como um artefato histórico desse processo contínuo de adaptação e reinterpretação. Ela revela a tensão dinâmica entre a adesão estrita à tradição e a compreensão evolutiva do significado simbólico em diferentes correntes maçônicas. Em última análise, para alguns Ritos, a essência do juramento e os princípios representados pelas Grandes Luzes podem ter mais significado do que a fisicalidade rígida do próprio Altar.
II. A Evolução Histórica da Posição do Altar no REAA
A Primitiva Maçonaria e o Altar Principal
As pesquisas de Pedro Juk indicam inequivocamente que, nas fases iniciais da Maçonaria moderna, especificamente com o primeiro ritual simbólico do REAA estabelecido na França em 1804, não existia um Altar dos Juramentos distinto. Durante este período, as Três Grandes Luzes eram habitualmente colocadas diretamente sobre o Altar do Venerável Mestre (altar-mor), e era neste altar principal que todos os juramentos eram administrados. Correspondentemente, a disposição arquitetônica de um templo simbólico do REAA em 1804 apresentava um piso completamente plano. Não havia elevação ou separação física, como uma balaustrada, distinguindo o Oriente do Ocidente. Essa configuração espelhava as práticas prevalentes na Maçonaria inglesa primitiva.
A Influência das Lojas Capitulares e a Elevação do Oriente
Uma mudança crucial ocorreu com a criação das Lojas Capitulares pelo Grande Oriente de França no início do século XIX (especificamente a partir de 1816). Essas Lojas foram concebidas para englobar um sistema mais amplo de graus, incluindo os graus superiores até o 18º (Rosa-Cruz). Para atender aos requisitos específicos do grau Rosa-Cruz, um santuário dedicado tornou-se necessário. Isso levou à elevação do Oriente dentro do templo e à introdução de uma balaustrada para demarcar esse espaço sagrado, destinado exclusivamente ao 18º grau.
Concomitantemente a essas mudanças arquitetônicas, o Altar dos Juramentos foi introduzido como um móvel menor e separado. Ele foi concebido como uma “extensão” do Altar do Venerável Mestre e, consequentemente, posicionado no Oriente elevado, imediatamente à frente do altar principal. Essa separação física tornou-se uma necessidade para gerenciar os requisitos ritualísticos distintos dos vários graus dentro do sistema Capitular. Durante a era das Lojas Capitulares, um protocolo específico era observado para a tomada de juramento de iniciados que ainda não haviam alcançado o 18º grau. O Athersata (que também servia como Venerável Mestre da Loja Simbólica) se aproximava da entrada do Oriente, onde o iniciado, ainda restrito de entrar totalmente no santuário, aguardava. O Altar dos Juramentos, embora localizado no Oriente, era temporariamente movido para o limite com o Ocidente, garantindo que o juramento pudesse ser administrado sem que o iniciado cruzasse fisicamente o domínio exclusivo do 18º grau. Essa prática mantinha a santidade e a exclusividade do Oriente para os graus superiores.
O Legado Pós-Capitular
Apesar da eventual dissolução das Lojas Capitulares e da reintegração dos graus superiores aos Supremos Conselhos, as Lojas simbólicas do REAA, particularmente aquelas sob o Grande Oriente de França, mantiveram as modificações arquitetônicas. O Oriente permaneceu elevado e separado por uma balaustrada e, crucialmente, o Altar dos Juramentos continuou a ser colocado no Oriente, separado do altar principal. Essa retenção de elementos físicos, apesar do desaparecimento de seu contexto funcional original (o santuário Rosa-Cruz), levou a uma “contradição” na prática ritualística para os graus simbólicos.
A explicação histórica detalhada de Pedro Juk estabelece claramente que a atual colocação do Altar no Oriente elevado do REAA não é uma característica inerente ao seu ritual simbólico original de 1804. Em vez disso, é uma consequência direta da integração temporária posterior de graus superiores (especificamente o 18º, Rosa-Cruz) dentro das Lojas Capitulares, a partir de 1816. O REAA original tinha um piso plano e nenhum Altar de Juramentos separado. A elevação do Oriente e a colocação do Altar ali foram adaptações para um contexto específico de graus superiores. Quando esses graus superiores foram separados da estrutura da Loja simbólica, o layout físico e a localização do Altar permaneceram, criando uma anomalia funcional e ritualística. Isso revela que a “incoerência” percebida não é uma falha de design nos próprios graus simbólicos do REAA, mas sim uma acumulação histórica – um “fóssil” ou “fantasma” de uma estrutura ritualística passada (Lojas Capitulares) que foi posteriormente desmantelada, mas deixou uma marca física indelével na Loja simbólica. Isso exemplifica um caso em que a forma ritualística sobreviveu à sua função especializada original, levando a uma dissonância entre o layout arquitetônico e as restrições doutrinárias dos graus simbólicos. Esse fenômeno também sugere um desafio mais amplo na história maçônica: a tendência de elementos rituais, uma vez introduzidos, persistirem mesmo quando sua justificativa original desaparece, levando a camadas de interpretação e potenciais inconsistências.
A defesa consistente de Juk pela correção dessa “incoerência”, seu uso de termos como “equívoco” e “atropelo” da jornada iniciática, e sua sugestão de deslocar o Altar durante os juramentos de graus inferiores (espelhando a prática do Athersata) demonstram um claro compromisso com o “sentido” e a “pureza” ritualística. O fato de o SOR (Sistema de Orientação Ritualística) do GOB ainda não ter adotado totalmente essa prática, além de pequenos ajustes, indica uma tensão significativa. Essa tensão existe entre o ideal acadêmico de coerência ritualística, baseado na compreensão histórica, e a inércia prática das práticas estabelecidas, das construções de templos existentes e, talvez, da relutância em alterar costumes de longa data. Isso destaca um desafio fundamental para organizações tradicionais e historicamente ricas como a Maçonaria: como conciliar a compreensão histórica em evolução e a pureza doutrinária com a poderosa força da prática ritualística estabelecida e da inércia institucional. A “incoerência” não é meramente um detalhe menor; ela serve como um microcosmo dessa luta contínua, onde o precedente histórico e o costume enraizado podem, às vezes, se sobrepor à lógica ritualística estrita. Também sublinha o papel vital de estudiosos ritualísticos dedicados, como Juk, na identificação e defesa de reformas para garantir que a integridade, o significado e a consistência do ritual sejam preservados e compreendidos.
III. As Diferentes Práticas: GOB, Grandes Lojas e Outros Ritos
A Posição no Grande Oriente do Brasil (GOB – REAA)
O Grande Oriente do Brasil (GOB), particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), mantém uma estrita adesão à colocação do Altar dos Juramentos no Oriente. Ele é posicionado diretamente em frente ao Altar do Venerável Mestre. Pedro Juk, que atua como Secretário Geral de Orientação Ritualística do GOB, é um proeminente defensor dessa colocação específica. Ele afirma que essa posição é a “rigorosamente correta” para o REAA e critica veementemente a prática, comum em muitos outros rituais brasileiros, de colocar este altar no centro do Ocidente, classificando-a como um “erro crasso”. Isso indica uma forte consistência interna e adesão a uma interpretação histórica específica dentro da prática do REAA do GOB.
A Posição nas Grandes Lojas e Outras Obediências
Em contraste com o GOB, muitas Grandes Lojas e outras Obediências Maçônicas no Brasil, apesar de também praticarem o REAA, frequentemente posicionam o Altar dos Juramentos no centro do Ocidente. Pedro Juk considera essa prática generalizada um desvio do ritual autêntico e original do REAA, que, sendo de origem francesa, historicamente colocava o Altar no Oriente.
Rito de York: No Rito de York (ou Rito Americano), o Altar dos Juramentos é caracteristicamente posicionado sobre o Pavimento Mosaico, localizado centralmente dentro da Loja. Essa colocação central alinha-se com as práticas históricas da Maçonaria inglesa dos “Antigos”, da qual o Rito de York em grande parte deriva.
Rito Moderno: O Rito Moderno apresenta uma abordagem distinta. Em alguns casos, o Altar dos Juramentos foi completamente suprimido. Quando presente, pode ser referido como “Altar dos Compromissos”, refletindo uma ênfase filosófica em uma promessa em vez de um juramento sagrado, acomodando assim as crenças individuais e evitando conotações religiosas explícitas.
Perspectivas de Outros Autores
A questão da “posição correta” do Altar dos Juramentos é um tema de debate entre diversos autores maçônicos, refletindo a complexidade e a diversidade ritualística da Maçonaria.
Nicola Aslan: Em seu Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia, Aslan define o Altar dos Juramentos como uma mesa situada no eixo da Loja (a Linha do Equador), onde as Grandes Luzes são colocadas e os juramentos são administrados. Embora ele enfatize seu papel central e a presença das Luzes, Aslan não especifica rigidamente uma posição fixa no Oriente ou Ocidente, sugerindo uma aceitação mais ampla de variações.
José Castellani: Reconhecido como uma autoridade significativa, Castellani oferece uma perspectiva histórica para o REAA. Ele observa que a posição do Altar dos Juramentos sofreu mudanças: inicialmente estava no Oriente, depois foi deslocado para o centro do Ocidente, e subsequentemente retornou ao Oriente, que ele considera sua colocação original “correta”. Ele concorda com Juk ao considerar sua colocação central como “em desacordo com suas origens”.
Ramon Gomes: Concentra-se no profundo significado simbólico do Altar e do próprio juramento, enfatizando a colocação das Grandes Luzes sobre ele como central para o compromisso maçônico. Seu trabalho reforça o Altar como um local de profundo compromisso pessoal.
Magali Aime: Oferece uma perspectiva mais experiencial e filosófica, refletindo sobre a natureza sagrada e solene do juramento do ponto de vista do iniciado. Seu trabalho sublinha o impacto emocional e espiritual da presença do Altar durante a iniciação
Milton de Souza (Rizzardo): Descreve o Altar dos Juramentos como triangular e localizado no centro do Templo, traçando paralelos com o Altar dos Holocaustos no Templo de Jerusalém. Ele observa que o ritual da Grande Loja de Goiás (uma Grande Loja) o posiciona centralmente e detalha características específicas, contrastando diretamente com a colocação no Oriente defendida por Juk para o REAA.
Alfério Di Giaimo Neto: Apoia o relato histórico de Castellani sobre o Altar dos Juramentos do REAA, confirmando seu movimento do Oriente para o centro (Ocidente) e seu eventual retorno ao Oriente como a localização apropriada.
A afirmação de Pedro Juk, representando o GOB, de que o Oriente é a posição rigorosamente correta para o REAA, é uma perspectiva importante. No entanto, a análise revela uma realidade mais complexa. Autores como Castellani e Alfério Di Giaimo Neto reconhecem um movimento histórico do Altar dentro do próprio REAA – do Oriente, para o centro (Ocidente), e depois de volta ao Oriente – sugerindo que a definição de “correção” evoluiu ou foi restabelecida ao longo do tempo. Além disso, a prática comum de Grandes Lojas de colocá-lo no Ocidente e a colocação central no Rito de York demonstram que não existe uma única posição “correta” universalmente aceita em todos os Ritos Maçônicos. Isso destaca o pluralismo e a diversidade inerentes à Maçonaria. O que uma Obediência ou estudioso considera um “erro crasso” pode ser uma evolução histórica legítima, uma tradição ritualística diferente ou uma adaptação para outro Rito. Portanto, a “correção” está frequentemente ligada à consistência interna e à linhagem histórica específica de um determinado sistema ritualístico ou Obediência, e não a um padrão maçônico absoluto e universal. Essa divergência é uma fonte significativa de debate interno e esforços de reforma contínuos no cenário maçônico mais amplo.
A análise de Juk aponta para a origem francesa do REAA e seu piso inicialmente plano, “como na Maçonaria Inglesa”. Ele também contrasta os “Modernos” (Primeira Grande Loja da Inglaterra, 1717, juramento no pedestal do VM) com os “Antigos” (Grande Loja da Inglaterra, 1751, juramento em um altar específico no centro da loja). O Rito de York, derivado dos “Antigos”, posiciona o altar centralmente. Crucialmente, a elevação do Oriente e a colocação do Altar ali no REAA são explicitamente atribuídas às Lojas Capitulares francesas. Essa intrincada estratificação histórica sugere que as diferentes colocações do Altar não são arbitrárias, mas são manifestações diretas de linhagens históricas distintas e da mistura ou divergência de tradições maçônicas francesas (continentais) e anglo-saxãs (britânicas e americanas) ao longo dos séculos. A colocação variada do Altar dos Juramentos é uma manifestação tangível e significativa da complexa interação histórica, da polinização cruzada e da ocasional “hibridização” de diferentes correntes maçônicas. A adesão do GOB ao Oriente para o REAA reflete uma linhagem francesa específica (pós-Capitular), enfatizando um desenvolvimento histórico particular. Por outro lado, as Grandes Lojas que adotam uma posição central ou ocidental podem refletir uma interpretação anterior do REAA com piso mais plano, ou uma influência direta de práticas anglo-saxãs (como as dos “Antigos” ou do Rito de York) que historicamente favoreciam um altar central. Essa profunda estratificação histórica fornece uma explicação robusta para a “divergência” observada e a “controvérsia” contínua, indo além das diferenças superficiais para revelar o impacto profundo da transmissão e interpretação históricas no ritual contemporâneo.
A seguir, a Tabela 1 oferece um comparativo da localização do Altar dos Juramentos em diferentes Ritos e Obediências, consolidando as informações discutidas.
Tabela 1: Comparativo da Localização do Altar dos Juramentos por Rito e Obediência
Rito/Obediência | Localização Padrão do Altar dos Juramentos | Justificativa Principal/Contexto Histórico | Principais Autores de Referência |
REAA – GOB | Oriente (em frente ao Altar do Venerável Mestre) | Extensão do Altar do VM; Legado das Lojas Capitulares francesas (pós-1816) para acomodar o Grau 18; Considerado a posição “rigorosamente correta” para o REAA. | Pedro Juk , José Castellani , Alfério Di Giaimo Neto. |
REAA – Grandes Lojas (Brasil) | Centro do Ocidente (ou centro da Loja) | Desvio da prática original do REAA francês; Possível influência de outras tradições ou interpretações locais; Juk considera um “erro crasso”. | Pedro Juk , Milton de Souza (Rizzardo). |
Rito de York (Americano) | Centro da Loja (sobre o Pavimento Mosaico) | Prática histórica da Maçonaria dos “Antigos” ingleses (1751); Sistematizado por Thomas Smith Webb. | José Castellani , Pedro Juk. |
Rito Moderno | Suprimido ou “Altar dos Compromissos” (localização variável) | Respeito às crenças individuais; Ênfase na promessa moral em vez de juramento religioso explícito. | |
Maçonaria Primitiva (REAA 1804) | Não existia altar separado; Juramentos no Altar do Venerável Mestre. | Topografia do templo sem desnível; As Três Grandes Luzes ficavam no Altar principal. | Pedro Juk , José Castellani. |
IV. A “Incoerência” do Altar no Oriente para Aprendizes e Companheiros
O Oriente como Espaço Exclusivo dos Mestres Maçons
Um princípio fundamental do ritual maçônico, particularmente nos graus simbólicos do REAA, estabelece que o Oriente é um espaço sagrado e exclusivo reservado unicamente aos Mestres Maçons (3º Grau). Aprendizes (1º Grau) e Companheiros (2º Grau) são tradicionalmente restritos às suas respectivas colunas no Norte e no Sul da Loja, simbolizando sua jornada progressiva e os estágios de seu desenvolvimento iniciático. Essa demarcação espacial não é arbitrária; ela reflete a estrutura hierárquica da Arte e a aquisição progressiva de conhecimento, direitos e responsabilidades que culminam no grau de Mestre Maçom.
A Contradição Ritualística e Suas Raízes Históricas
O cerne da “incoerência” reside na prática comum em que Aprendizes e Companheiros, apesar da restrição doutrinária, são rotineiramente permitidos a entrar no Oriente para prestar seus juramentos solenes durante as cerimônias de iniciação e elevação de grau. Isso apresenta uma clara contradição com a regra estabelecida da exclusividade do Oriente para os Mestres Maçons.
Com a eventual dissolução das Lojas Capitulares, as alterações físicas no templo (Oriente elevado, Altar separado no Oriente) permaneceram nas Lojas simbólicas do REAA. No entanto, a prática crucial de deslocar o Altar para a fronteira para os juramentos de graus inferiores foi amplamente abandonada ou negligenciada em codificações ritualísticas subsequentes. Essa omissão levou à “contradição” atual, onde a exclusividade doutrinária do Oriente é violada durante as cerimônias de juramento para Aprendizes e Companheiros. Juk se refere a isso como um “atropelo” da jornada iniciática e da consistência lógica do Rito.
A “incoerência” central — a entrada de Aprendizes e Companheiros no Oriente para juramentos, apesar de sua reserva doutrinária para Mestres — é um sintoma de uma “deriva ritualística”. Isso significa que a forma (Altar no Oriente, Oriente elevado) persistiu, mas sua adaptação funcional original (o deslocamento do altar) foi esquecida ou omitida, levando a um desalinhamento com o princípio doutrinário subjacente da exclusividade espacial. Isso sugere que as práticas ritualísticas, mesmo em organizações profundamente tradicionais como a Maçonaria, não são estáticas e imutáveis. Elas são dinâmicas, sujeitas a acréscimos históricos, interpretações e, por vezes, omissões não intencionais. A “incoerência” é um exemplo tangível de como camadas históricas podem criar contradições internas se não forem cuidadosamente gerenciadas, compreendidas e periodicamente reavaliadas. Isso sublinha a importância crítica da pesquisa histórica não apenas para entender as origens dos rituais, mas também para manter sua integridade e garantir seu alinhamento contínuo com a doutrina maçônica central. Sem essa compreensão histórica, os rituais podem se tornar rotineiros, perdendo seu significado mais profundo e sua consistência interna.
Propostas de Solução e a Visão de Pedro Juk
Para resolver essa anomalia ritualística, Juk defende veementemente um retorno à solução histórica: o Altar dos Juramentos deve ser fisicamente deslocado para a fronteira entre o Oriente e o Ocidente durante todas as cerimônias que envolvam Aprendizes e Companheiros. Isso lhes permitiria permanecer ritualisticamente no Ocidente enquanto prestam seu juramento, preservando assim a exclusividade doutrinária do Oriente para os Mestres Maçons.
Juk expressa preocupação de que o atual Sistema de Orientação Ritualística (SOR) do GOB não recomende explicitamente esse deslocamento necessário e, consequentemente, muitos Altares permaneçam fixos no Oriente. Ele critica as atuais adaptações parciais, como a mera instrução para que os candidatos não subam ao sólio para paramentação, como uma tentativa superficial de abordar a questão, comparando-a a “tapar o sol com a peneira”. Ele aponta que o candidato ainda “excepcionalmente” acessa o Oriente para o juramento, falhando assim em resolver a contradição fundamental.
Juk articula uma visão clara para o futuro, expressando a esperança de que as próximas edições dos rituais do GOB retifiquem essas “mentiras” (imprecisões ou inconsistências). Seu objetivo é restaurar o sentido lógico e a fidelidade histórica à liturgia do Rito. Ele também destaca outras inconsistências ritualísticas relacionadas, como a construção comum de quatro degraus para o Oriente quando, histórica e doutrinariamente, deveria haver apenas um, enfatizando ainda mais a necessidade de uma reforma ritualística abrangente.
Pedro Juk, em sua capacidade de proeminente estudioso maçônico e autoridade ritualística chave dentro do GOB, identifica e critica ativamente essas “incoerências”. Sua defesa aberta de correções em futuros rituais do GOB e sua frustração com a abordagem de “tapar o sol com a peneira” ilustram vividamente a tensão dinâmica entre a compreensão acadêmica da história ritualística e os desafios práticos da mudança institucional. O fato de o SOR do GOB ainda não ter adotado totalmente suas soluções propostas, apesar de sua posição de autoridade, implica uma resistência significativa ou uma adoção lenta das descobertas acadêmicas dentro da Obediência mais ampla. Essa resistência pode derivar de vários fatores, incluindo a natureza profundamente arraigada das práticas existentes, as limitações físicas dos templos existentes ou simplesmente o conservadorismo inerente frequentemente encontrado em organizações tradicionais. Isso destaca o papel crítico, embora muitas vezes desafiador, dos estudiosos maçônicos na promoção da precisão ritualística, da fidelidade histórica e da coerência interna. Revela que alcançar a reforma ritualística não é meramente uma questão de identificar fatos históricos, mas também de navegar na complexa interação de tradição, política institucional e a inércia dos costumes estabelecidos. A “incoerência” torna-se, assim, um estudo de caso convincente no diálogo contínuo (e, por vezes, na luta) entre o rigor acadêmico e a tradição institucional na Maçonaria, demonstrando que o caminho para a “verdade” ritualística é frequentemente gradual e contestado.
Conclusão
O Altar dos Juramentos, pedra angular do ritual maçônico, serve como o local sagrado para as Grandes Luzes e os compromissos solenes dos iniciados. Sua colocação dentro da Loja, no entanto, é um assunto de considerável variação e complexidade histórica. A análise apresentada, fortemente embasada na extensa pesquisa de Pedro Juk, revela que a prática atual do REAA de posicionar o Altar no Oriente não deriva de seu ritual simbólico original de 1804 (que apresentava um piso plano no templo e nenhum Altar de Juramentos separado), mas sim de adaptações posteriores. Essas adaptações foram introduzidas em 1816 com a criação das hoje extintas Lojas Capitulares, especificamente para acomodar os graus superiores (como o Rosa-Cruz) e seu santuário exclusivo no Oriente elevado.
Essa evolução histórica explica a divergência observada atualmente: o GOB geralmente mantém o Altar no Oriente, aderindo a essa tradição pós-Capitular, enquanto muitas Grandes Lojas frequentemente o colocam no centro do Ocidente, possivelmente refletindo interpretações anteriores do REAA ou influências de outros Ritos. Ritos comparativos, como o Rito de York (colocação central) e o Rito Moderno (potencial supressão), sublinham ainda mais essa diversidade ritualística. A “incoerência” de Aprendizes e Companheiros entrarem no Oriente para prestar seus juramentos, um espaço doutrinariamente reservado aos Mestres Maçons, é um legado direto e persistente da era Capitular. A solução original — o deslocamento do Altar para a fronteira do Ocidente — foi amplamente perdida, levando a uma contradição ritualística que Pedro Juk busca ativamente retificar.
As intrincadas camadas históricas e as nuances ritualísticas que envolvem o Altar dos Juramentos sublinham a profunda importância da investigação acadêmica. O trabalho meticuloso de pesquisadores maçônicos como Pedro Juk, José Castellani, Nicola Aslan, e outros é indispensável para desvendar essas complexidades, identificar inconsistências e fornecer o contexto necessário para uma prática mais profunda, informada e coerente do ritual maçônico. Suas contribuições são vitais para guiar a Arte em direção a uma maior autenticidade e compreensão de suas próprias tradições.
Apesar dos debates históricos e das complexidades ritualísticas que envolvem sua localização precisa, o Altar dos Juramentos permanece um símbolo duradouro e poderoso dentro da Maçonaria. Ele representa o compromisso inabalável do Maçom com os princípios da Arte e com sua jornada pessoal de iluminação moral e espiritual. A discussão contínua sobre sua localização, longe de ser um assunto trivial, reflete a profunda reverência que os Maçons têm por seu ritual e tradições, e sua busca contínua por luz, verdade e consistência em seu trabalho simbólico.
Referências Bibliográficas
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Castellani, José. O Rito Escocês Antigo e Aceito e Consultório Maçônico.
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Juk, Pedro. Blog “Pedro Juk”. Acessado em 24 maio 2024. Artigos específicos citados:
“Altar dos Juramentos: No Oriente, Por Que?”
“REAA – Altar dos Juramentos. Ao Centro ou no Oriente?”
“O Lugar do Altar dos Juramentos no REAA”
“Altares dos Juramentos e dos Perfumes”
Rizzardo (Milton de Souza). Dos Significados Maçônicos.
“Altar Dos Juramentos – Maç.” Scribd.
“Altar dos Juramentos – REAA.” Bibliot3ca, 6 set 2022.
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“Qual a simbologia e as regras numa loja da maçonaria?” Super Interessante.
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“Seis Séculos de Ritual Maçônico.” Bibliot3ca.
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“Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbolismo.” Monte Horeb.
“O LIVRO DA LEI SAGRADA UM SÍMBOLO QUE DIVIDE.” O Buscador.

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